ORESTEIA
quinta
21H30
AUDITÓRIO
M>12
90 Min.
6,00 EUROS
27 // FESTIVAL DE TEATRO
ORESTEIA
de Ésquilo
Clitemnestra matou o seu marido Agamémnon porque este sacrificou a filha para obter ventos favoráveis na expedição militar contra Tróia. Orestes, filho dos dois mata a mãe para vingar o pai. Então, no plano dos deuses, as Irínias vingadoras exigem que se castigue Orestes pelo Matricídio. Mas Orestes considera-se inocente, porque matou a mãe com o patrocínio de Apolo. Era legítimo vingar o pai. Isto seria uma história de violência e de vinganças sangrentas que nunca mais acaba se não viesse a deusa Atena instituir um tribunal, no qual participam deuses e os humanos são os jurados. As Irínias contra Orestes. O tribunal dá Orestes por inocente porque afinal é preciso pôr um fim nesta bola de neve. E pela persuasão, as Irínias são acolhidas na cidade, transformadas em Euménides. Trata-se aqui do triunfo do direito da polis sobre o direito familiar. Trata-se, portanto, literalmente, da politização do direito. A afirmação de que o interesse da cidade prevalece sobre o interesse do clã. Trata-se do início da ideia de haver uma mesma lei para todos e de haver na cidade uma assembleia popular que delibera sobre a lei. Trata-se, no plano religioso do lento processo civilizacional que vai da supremacia dos deuses telúricos e terríficos que exigiam vinganças sangrentas aos erros de cálculo dos homens ao triunfo das divindades mais solares e mais racionais, que convocam tribunais nos quais os jurados são mortais.
Oresteia é a única trilogia trágica a chegar até nós completa, composta pelas peças Agamémnon, Coéforas e Euménides. Foi representada pela primeira vez no festival das Dionísias Urbanas em 458 a.C., vencendo o primeiro prémio da competição trágica.
“Agora falo-vos sem véus”
Falar sem véus é uma metáfora para falar directamente, sem rodeios, sem pudor, sem enigmas. Em suma, é uma metáfora para falar sem metáforas. É dizer exactamente a verdade que se está a ver. Mas se fossemos até às últimas consequências, falar sem véus seria uma metáfora para falar sem linguagem, porque a própria linguagem já é em si uma dificuldade para comunicar a verdade de uma visão. E é esse o caso aqui. Cassandra, a mulher que tem o dom de ver a verdade do futuro e do passado chega à entrada do palácio dos Atridas e vê literalmente os terríveis crimes que se deram ali em gerações passadas. Tiestes dormiu com a mulher de Atreu, e este, para se vingar, matou os filhos daquele, e ofereceu-lhos assados num banquete em sua honra. Tiestes comeu os próprios filhos, sem se aperceber, sem ver que aquele assado eram os filhos, saboreando-os. São estes os terríveis crimes do pai de Agamémnon e do pai de Egisto. Cassandra tem a visão destes acontecimentos, e vai contá-la “agora sem véus”, diante do palácio:
“Deste tecto aqui nunca se afasta um coro
que canta em uníssono mas sem harmonia – pois não diz boas palavras.
E agora que, para maior ousadia, bebeu
sangue humano, o grupo da pândega permanece na casa,
difícil de expulsar, as Erínias geradas na família.
Cantam o seu canto, instaladas na casa,
a loucura primeira; uma a seguir à outra cospem de desdém
pelo leito do irmão, funesto para aquele que o pisou.”
(tradução de José Pedro Moreira)
Ou seja, a promessa de falar sem véus não se cumpre, o que Cassandra diz que vê está repleto de alegorias, de vocabulário denso e de sintaxe intricada. Camadas e camadas de véus. Palavras, palavras, palavras. Mas as palavras é que fazem a realidade, porque a visão em si, só Cassandra tem acesso, mais ninguém.
A dificuldade de fazer uma versão cénica da Oresteia está, portanto, em oferecer o texto sem lhe retirar a força poética nem a complexidade alegórica de Ésquilo que remete para assuntos e enredos que o espectador grego do séc. V a.C conhecia de ginjeira.
Outra possibilidade seria seguir a linha de Heiner Muller: colocar o texto em cima do palco como se fosse um corpo selvagem, indomável e ininteligível, sem ser traduzido nem interpretado. Mas no caso da Agamémnon, Coéforas e Euménides seria um contrassenso fútil, porque a Oresteia é ela própria uma tentativa (aliás, vitoriosa) de domar, trazer e traduzir esse corpo selvagem, telúrico, perigoso e vingativo à esfera da Pólis. Por outro lado também não me parece profícuo o exercício de actualização do texto a uma qualquer realidade histórica que pudesse ser a minha (sei lá eu, que ainda estou vivo, qual é a realidade histórica da minha época), por exemplo, pensar a Oresteia do ponto de vista do antropoceno. Talvez se possa fazer essa leitura, mas é melhor que cada um a faça na sua cabeça, sem ser preciso forçar as palavras. Mas o contrário também não, tentar encontrar a genuína Grécia do tempo da Oresteia, ou os genuínos deuses do Olimpo. Seria uma empresa votada ao fracasso. Em vez disso, esta versão tenta ser um gesto, à semelhança do de Cassandra, de contar sem véus aos seus contemporâneos o que vê. E o que vê é uma pluralidade de traduções e versões que nos foram chegando ao longo dos tempos para várias línguas de um texto cuja fixação apresenta também diferentes edições críticas na tentativa de se aproximar do original perdido.
Autor ÉSQUILO; Direcção TÓNAN QUITO; Criacção e gestão de projecto PATRÍCIA COSTA; Versão e dramaturgia MIGUEL CASTRO CALDAS (a presente versão teve como base a tradução de Manuel de Oliveira Pulquério e de José Pedro Moreira (Agamémnon) e que foram consultadas as traduções e versões de Robert Fagles, Ted Hughs, Tony Harrison e Pier Paolo Pasolini); Interpretação CARLA MACIEL, CLÁUDIA GAIOLAS, FRANCISCO CAMACHO, EFTHIMIOS ANGELAKIS, PAULO PINTO, TÓNAN QUITO E VERA MANTERO; Cenografia F. RIBEIRO; Desenho de luz DANIEL WORM; Figurinos JOSÉ ANTÓNIO TENENTE; Música DEAD COMBO; Desenho de som PEDRO COSTA; Assistência de encenação OTELO LAPA; Produção HOMEMBALA; Coprodução CCB; Apoio O ESPAÇO DO TEMPO ; Projecto financiado pela República Portuguesa/Dgartes
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